segunda-feira, 11 de abril de 2011

Retrocesso

O visitante estranhou porque, quando o levaram para conhecer a sala de aula do futuro, não havia uma professora-robô, mais duas. A única diferença entre as duas era que uma era feita totalmente de plástico e fibra de vidro - fora, claro, a tela do seu visor e seus componentes eletrônicos -, e a outra era acolchoada . Uma falava com as crianças com sua voz metálica e mostrava figuras, números e cenas coloridas no seu visor, e a outra ficava quieta num canto. uma comandava a sala, tinha resposta para tudo e centralizava toda a atenção dos alunos, que pareciam conviver muito bem com sua presença dinâmica, a outra dava a impressão de estar esquecida ali, como uma experiência errada. O visitante acompanhou, fascinado, uma aula como ela seria num futuro em que o computador tivesse substituido o professor. O entendimento entre a máquina e as crianças era perfeito. A máquina falava com clareza e estava programada de acordo com métodos pedagógicos científicamente testados durante anos. Quando não entendiam qualquer coisa as crianças sabiam exatamente que botões apertar para que a professora-robô repetisse a lição ou, em rápidos segundos, a reformulasse, para melhor compreênsão. (As crianças do futuro já nasceram sabendo que botões apertar.)
- Fantástico! - comentou o visitante.
- Não é? - concordou o técnico, sorrindo com satisfação.
Foi quando uma das crianças, errando o botão, prendeu o dedo no teclado da professora-robô. Nada grave. O teclado tinha sido cientificamente preparado para não oferecer qualquer risco aos dedos infantis. Mesmo assim, doeu, e a criança começou a chorar. Ao captar o som do choro nos seus sensores, a professora-robô desligou-se automaticamente. Exatamente ao mesmo tempo, o outro robô acendeu-se automaticamente. Dirigiu-se para a criança que chorava e a pegou no colo com os braços de imitação, embalando-a no seu colo acolchoado e dizendo palavras de carinho e conforto numa voz parecida com a do outro robô, só que bem menos metálica. Passada a crise, a criança, consolada e restabelecida, foi colocada no chão e retomou seu lugar entre as outras. A segunda professora-robô voltou para o seu canto e se desligou enquanto a primeira voltou à vida e à aula.
- Fantástico! - repetiu o visitante.
- Não é? - concordou o técnico, ainda mais satisfeito.
- Mas me diga uma coisa... - começou a dizer o visitante.
- Sim?
- Se entendi bem, o segundo robô só existe para fazer a parte mais, digamos, o maternal do trabalho pedagógico, enquanto o primeiro faz a parte técnica.
- Exatamente.
- Não seria mais prático - sugeriu o visitante - reunir as duas funções num mesmo robô?
Imediatamente o visitante viu que tinha dito uma bobagem. O técnico sorriu com condescendência.
- Isso - explicou - seria um retrocesso.
- Por quê?
- Estaríamos de volta ao ser humano.
E o técnico sacudiu a cabeça, desanimado. Decididamente, o visitante não entendia de futuro.

Luís Fernando Veríssimo. In Nova Escola. São Paulo. Abril, out. 1990. p.19

Conclusão

O texto nos faz refletir sobre o papel do professor no futuro. E com o avanço da tecnologia será que haverá aproximação entre educador e aluno?
Deixo aqui uma pergunta para ser refletida. Até que ponto a tecnologia será útil para a humanidade?

Um comentário:

  1. Que texto fantástico!
    Sobre a sua pergunta eu acho que ela poderia ser reformulada: Até que ponto vamos deixar as tecnologias influenciarem nas nossas vidas a ponto de sermos substituidas por elas?
    Seria legal pensarmos sobre isso

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